quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Sensação de segurança dura pouco

Durou pouco tempo a sensação de segurança e a reação eficaz da Polícia Militar contra os assaltos no sistema de transporte coletivo. Menos de três dias após o início da “Operação Saturação”, os bandidos voltaram a agir com violência e, em menos de 10 horas (entre 21h de terça-feira e 6h da quarta-feira), três assaltos a ônibus foram registrados. No mais violento deles, os criminosos atiraram e o motorista ficou ferido. Trabalhadores do setor temem o pior, pedem empenho dos policiais e ameaçam abandonar os empregos. Polícia afirma que abordagens vão continuar. Ontem, mais uma operação foi realizada na Avenida Bernardo Vieira.

O clima entre motoristas e cobradores que atuam no sistema de transporte público de passageiros em Natal é de apreensão e revolta. Os crimes registrados nos últimos dias – vários assaltos e homicídio de um motorista – revelam que a insegurança predomina no setor. A “onda” de crimes expõe ainda a fragilidade da segurança pública que, mesmo determinando uma ação específica para evitar tais crimes, não consegue dar a resposta esperada pela sociedade.


A ousadia dos bandidos desafia a força policial e a estratégia de resposta montada pela Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesed). Na manhã de ontem, dia 19, o ônibus que faz a linha 77 (Mirassol/Parque dos Coqueiros) foi alvo de uma dupla de bandidos. A ação foi registrada na Avenida dos Expedicionários, em Parque dos Coqueiros, por volta das 6h. Um dos bandidos anunciou o assalto na parada do ônibus enquanto o outro aguardava em outro ponto da avenida. A menos de cem metros do local, há um posto da PM que, no momento da ocorrência, segundo testemunhas, estava vazio.

Os casos de violência que têm como pano de fundo o sistema que é utilizado, diariamente, por mais de 500 mil passageiros, se repetem ao longo dos anos. Não é difícil encontrar motoristas, cobradores ou usuários que foram vítimas de bandidos que agem em ônibus que circulam em Natal ou entre outro municípios. Às vezes, a mesma pessoa foi vítima mais de uma vez.

É o caso do motorista Marcos Antônio, 38 anos. Há quatro anos trabalhando na empresa Nossa Senhora da Conceição, o motorista foi assaltado 18 vezes. Em 18 episódios, Marcos foi abordado por bandidos que exigiam dinheiro, celular e outros pertences. A última investida dos criminosos foi registrada na noite da última terça-feira, dia 19. “Não penso em desistir de trabalhar porque eu sou motorista. É a única coisa que sei fazer. É um risco que tenho que correr”, contou. 

O risco que Marcos Antônio teme é o mesmo que está afastando o também motorista Gleifson Costa, 36 anos, da profissão. São seis anos dedicados à profissão e oito boletins de ocorrência (BOs) como prova dos perigos que já enfrentou. “O primeiro assalto foi há três anos. O último, foi em junho passado. Já são oito assaltos. Não aguento mais. Minha ideia é procurar outro emprego”, disse. A família apoia a decisão dele. “Quando acontece esses crimes, como a morte do companheiro semana passada, minha esposa fica louca em casa. Minha mãe já ligou dizendo para eu deixar essa vida”, contou ele.

Rotina de estresse e medo

O motorista João Muniz, 42 anos, passou 12 anos atuando condutor de ônibus sem nunca ter sido vítima de um assalto. Em julho desse ano, porém, ele foi assaltado pela primeira vez enquanto trabalhava. Ontem, mais uma vez, o motorista esteve na mira de bandidos durante o assalto ao ônibus da linha 77, no Parque dos Coqueiros. Emocionado, ele relatou o caso e disse que temeu pela própria vida. “Ele [o bandido] disse que ia meter bala na minha cara”, disse. João Muniz conduzia o ônibus da linha 77, na Avenida dos Expedicionários, realizando a primeira viagem do dia. O ônibus estava cheio, com aproximadamente 80 passageiros. Foi quando um bandido armado adentrou o veículo entre os passageiros e anunciou o assalto. “Era umas 6h, minha primeira viagem. Saí do terminal e, cinco paradas depois, aconteceu o assalto”, contou. Levaram dinheiro do cobrador e alguns objetos dos passageiros. 

O bandido que entrou no ônibus tinha um comparsa que aguardava do outro lado da avenida. Toda a ação durou menos de 10 minutos e aconteceu a menos de 100 metros de um posto policial. Segundo a PM, a dupla que agiu contra o ônibus teria efetuado outros assaltos, no mesmo dia, na avenida Paulistana. Até o fechamento desta edição, ninguém havia sido preso.


Bom Pastor
Dezoito. Esse é o número de vezes que o motorista Marcos Antônio, 38 anos, foi assaltado enquanto exercia a profissão. Há  17 anos ele é motorista, no entanto, no sistema de transporte público de passageiros, em Natal, atua a apenas quatro anos. Antes, dirigia caminhões e, nessa atividade, nunca foi abordado por bandidos. “Todos os assaltos foram quando estava com passageiros no ônibus”, contou. 

Ontem à tarde, a TRIBUNA DO NORTE foi à casa de Marcos. Ainda abalado, ele contou que a última ação dos bandidos foi registrada na terça-feira, dia 19. Era pouco mais das 21h e ele conduzia o veículo com aproximadamente 50 passageiros na avenida Bom Pastor, no bairro que leva o mesmo nome. “Quando parei em uma parada, os dois rapazes anunciaram o assalto. Um estava armado e ficou na porta da frente. O outro, desarmado, entrou pela porta de trás e recolheu os celulares e outros objetos dos passageiros”, lembrou.

Marcos disse que os dois bandidos aparentavam ter menos de 18 anos. O assaltante armado era o mais violento. “Ele ficou com a arma apontada para mim o tempo todo. Pedia meu celular e dizia que ia me matar. Eu implorei para ele não me matar. Fui humilhado”, contou.


Goianinha
O motorista Carlos Benedito de Souza, 52 anos, está prostrado em um leito de hospital. Ele não pode fazer muitos gestos e evita falar para ter uma recuperação mais rápida. Natural de Belém-PA, Carlos é mais uma vítima da violência que assusta o Rio Grande do Norte. Na noite da última terça-feira, o ônibus de turismo que ele conduzia pela BR-101, na altura do município de Goianinha, foi abordado por dois bandidos. Durante a ação, houve troca de tiros e Carlos acabou baleado. “Minha sorte é que estava de costas, senão, estaria morto”, lembrou. 

O veículo conduzido por Carlos trazia 52 comerciantes de  Santa Cruz do Capibaribe, agreste de Pernambuco, com destino a Fortaleza, no Ceará. Os bandidos interceptaram o ônibus usando um carro modelo Land Rover, de cor prata. Mesmo com  a tentativa dos assaltantes de parar o veículo, o condutor seguiu o trajeto por um tempo. “Mas eles vieram para frente do ônibus e tive que parar. Eles tentaram entrar no ônibus, mas nosso segurança reagiu e atirou”, contou.

Carlos de Souza foi submetido a uma cirurgia e, na noite de ontem, esperava a visita do médico para saber quando seria liberado. A esposa dele está a caminho de Natal. “Quero voltar para minha casa”, resumiu o motorista.


Tribuna do Norte

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